O amor e os relacionamentos na adolescência

18-07-2018 19:27

A adolescência é um fenômeno que, tal qual conhecida hoje, é um constructo social de suma importância na formação da identidade dos indivíduos. Como explicam Mead (1961) e Griffa e Moreno (2008), em algumas sociedades tribais a passagem do mundo infantil para o mundo adulto é breve e segue padrões definidos em rituais. Normalmente, em poucas semanas o jovem é instruído nas artes de obtenção de alimento e de proteção, casa-se e assume a condição de adulto. No mundo contemporâneo, a necessidade de capacitação e educação para que a pessoa possa se inserir no mundo do trabalho influenciou e marcou diretamente a formulação do conceito de adolescência, que até poucas décadas atrás “não passava de uma sala de espera do mundo adulto.” (Griffa & Moreno, 2008. p. 9) Nas sociedades modernas industrializadas criou-se um intervalo de aprendizagem entre a maturidade biológica e a maturidade social, que em geral, são demarcadas pelas etapas escolares, devido à carência de rituais de passagem. Neste sentido, os acontecimentos psicológicos da adolescência não são necessariamente, em nossa sociedade, “um correlato das mudanças físicas da puberdade, mas também uma construção cultural, produto da complexidade das mudanças sociais” (Pereira, 2005, p. 02) Ressalta-se neste ponto, que em diferentes culturas e grupos, como no oriente, em sociedades predominantemente rurais ou de nível sócio econômico mais baixo, há uma variação na duração e na definição do período da adolescência, que repercutem no papel e na vivência desta. Atualmente, na cultura ocidental, a adolescência se caracteriza e define como a fase de transição entre a infância e a vida adulta. Advindo do latim adollacentia (ad= a, para; e, olescer =crescer), significa “crescer” ou, “crescer em direção à maturidade”, condizendo com o processo vivido nessa etapa da vida, referindo-se, ao processo de crescimento do indivíduo. Francoise Dolto (1990) descreve esse período como um purgatório, similar ao sofrimento do parto, de um segundo nascimento psicológico.

 Em uma definição cronológica, compreende-se a adolescência na faixa etária de 12 a 19 anos completos. Entretanto, considera-se que há divergências nesta cronologia dependendo da fonte consultada. (Santos & Tosta, 2016) Nesta perspectiva, entende-se que o desenvolvimento humano é caracterizado por mudanças cumulativas e irreversíveis. O indivíduo, como um sistema aberto, influencia o ambiente e é influenciado por ele. Nos termos entendidos pela psicologia do desenvolvimento, a adolescência não é um estado, mas sim, um processo orientado para a maturidade. Como aponta Oliveira (2003), diversos teóricos elaboraram diferentes pontos de vista para delimitar essa etapa, em que há uma pluralidade de fatores envolvidos, tais como alterações biológicas, fisiológicas, psíquicas e sociais que dificultam sua caracterização. Para um melhor entendimento dos aspectos que marcam esta fase, Moragas (1970) e Griffa e Moreno (2008), dividiram a adolescência em três etapas. São elas: · Adolescência inicial: também chamada de ‘baixa adolescência’, compreende as idades entre os 11 e 12 anos nas meninas e 12 e 13 anos nos meninos. Neste momento, o desenvolvimento corporal é alterado pela transformação brusca do organismo infantil. A diferenciação física entre os sexos, com o aparecimento dos caracteres sexuais primários e secundários fica clara. A mudança do tamanho e da forma do corpo faz aumentar a necessidade de se transformar em adulto e as cobranças a fazê-lo. · Adolescência média: Entre os 12 -13 aos 16 anos. É o estágio onde ocorre a diferenciação e maturação sexual definitiva, marcado pela construção da identidade sexual. O desenvolvimento corporal reduz e adquire proporções adultas. Os indivíduos voltam seu interesse ao sexo oposto, com um gradual distanciamento afetivo da família, que tornam freqüentes os atos de rebeldia. · Alta adolescência: Marca o final do período adolescente que é difícil de ser situado no tempo. É a fase de consolidação e ensaios de modos de vida adulta e de relacionamentos. Esse período é marcado pela escolha e decisão vocacional, que em geral, é uma forma de individualização do indivíduo perante a família e a sociedade. Por meio das etapas apresentadas, mostra-se que a adolescência é permeada por transformações tanto de ordem social, como de ordem biológica. Estas ultimas, são definidas pelo termo ‘Puberdade’, derivado do latim pubertate, que significa ‘cobrir-se de pêlos na região púbica, referindo-se especificamente às mudanças bioquímicas e morfológicas do soma.

Essas mudanças, controladas pelas glândulas endócrinas pouco dependem de fatores ambientais. Com base na teoria apresentada Pereira (2005), pode-se dividir esse desenvolvimento em três níveis: · Nível 1: Ativação dos hormônios gonadotróficos da hipófise anterior. Esses hormôniosestímulos é que provocam as mudanças corporais e sexuais desse período. · Nível 2: Secreção do hormônio do crescimento; produção de óvulos ou de espermatozóides nas glândulas de reprodução e o aumento dos hormônios da suprarrenal. · Nível 3: Desenvolvimento dos caracteres sexuais primários (aumento do pênis e dos testículos no rapaz e aumento do útero e da vagina na mulher); desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários (aumento das mamas, mudança da voz, distribuição de gorduras, modificação da cintura e da pelve, aparecimento de pelos no púbis e nas axilas, aparecimento de barba). Moragas (1970), Winnicott (1993) e Griffa e Moreno (2008) explicam que embora altamente entrelaçadas, a puberdade e a adolescência não se sobrepõem, pois não são exatamente simultâneas e em alguns aspectos são independentes por completo. Se devidos a transtornos somáticos, a puberdade não ocorrer, ou ocorrer de forma muita atenuada, nem por isso a adolescência deixará de se manifestar. Embora faltasse a ele a estimulação necessária para provocar as modificações corporais e a irrupção da genitalidade, paradoxalmente enfrentaria a problemática adolescente não no que se refere ao corpo, mas a outros aspectos próprios desse período. (Griffa & Moreno, 2008. p. 11) Winnicott (1982) explica que na puberdade, o indivíduo é um agente passivo do processo de crescimento. Nesse momento, "tremendas forças estão atuando e, para este problema, não existe nenhuma solução, a não ser contar com a passagem do tempo." (Winnicott, 1982, p. 115). Para o autor, a puberdade pode ser compreendida como uma situação desalojadora, já que introduz o novo, aquilo que rompe com o que está estabelecido, inclusive com um si - mesmo infantil. De cultura para cultura, as transformações físicas da puberdade estão associadas a expectativas muito diferentes. Estas expectativas, influenciam o modo como os indivíduos encaram e interpretam a adolescência. Nas culturas em que é atribuído um grande significado e, por isso, uma forte carga de ansiedade, os adolescentes, provavelmente, sentirão maior tensão e algum conflito perante suas próprias modificações pubertárias (Mead,1961). Pelo que foi exposto até aqui, pode-se concluir que a adolescência não pode ser descrita como uma simples adaptação à transformações corporais, mas sim, como um período decisivo do ciclo vital, onde a pessoa atinge uma autonomia e maturidade psicológica necessária para inserir-se no mundo social. Contribuições da psicologia para a compreensão da adolescência Na medida em que a adolescência passou a ser considerada uma fase de importantes repercussões na constituição do indivíduo, tornaram-se fundamentais a elaboração de estudos que procurassem evidenciar as características psíquicas e intelectuais deste período. Para Santos (2016) a adolescência é entendida como um tempo repleto de cobranças sociais, num momento de crise e declínio das identificações parentais. Neste âmbito, o jovem sofre por não ter uma posição clara de onde possa vir a falar, ao mesmo tempo que tem que se reinscrever em um novo cenário, convivendo com três questões chaves: “O que faço com este corpo?”, “Sou homem ou mulher?”, e, “O que esperam de mim?”. Assim, é requisitado a sair da posição infantil e convocado a ocupar uma posição de adulto. Um ponto central a todas as diferentes concepções teóricas é que a formação da identidade se mostra como a questão central da adolescência. Hime (2001) considera que essa identidade somente é constituída na medida em que o adolescente é capaz de se localizar no tempo e no espaço, já sentindo a própria vida como uma experiência única e pessoal. Para a autora, a fase ‘jovem adulta’ é central no desenvolvimento, pois retoma as anteriores ao mesmo tempo em que prepara para as seguintes. “Envolve comprometimentos significativos com uma ocupação, escolhas amorosas e sexuais e ideologia, demandando em geral grande investimento de energia (p.01).” Este processo se dá com base nas identificações da infância, ao mesmo tempo em que essas passam por uma ressíntese, na qual o sujeito experimenta essas identificações num mundo novo. Tal formulação, é compartilhada por Erikson (1971) ao propor uma teoria psicossocial onde o desenvolvimento humano é baseado num processo evolutivo que segue uma seqüência de eventos de caráter universal que perduram durante todo o ciclo vital. Esse processo, que resulta na construção da personalidade é fruto de três dimensões básicas: a biologia, a psicologia e a sociedade. Assim, conceituou oito estágios do ciclo vital que foram denominados “as oito idades do homem”, compostos por novos problemas que se apresentam ao indivíduo de acordo com seu amadurecimento, em círculos sociais cada vez mais amplos. Cada uma dessas idades apresenta um desafio específico, que é experimentado por meio de polaridades e vivenciado pelo sujeito como momentos de grande vulnerabilidade, em que há a experimentação pessoal de integração e retardamento, progresso e regressão. Em uma breve enumeração, as oito etapas explicitadas pelo autor são: confiança básica versus desconfiança; autonomia versus vergonha e dúvida; iniciativa versus culpa; produtividade versus inferioridade; identidade versus confusão de papéis; intimidade versus isolamento; generatividade versus auto-absorção; inteligência versus desesperança. Neste processo, a adolescência consistiria na quinta etapa, sendo seu conflito central a busca da identidade versus a confusão de papéis. Nesta, ocorre a modulação do ego, já que o sujeito se vê pressionado a deixar as características da infância de lado e enfrentar as questões da vida adulta, em um mundo que, apesar de lhe ser familiar, é repleto de contradições, e no qual o adolescente deve se destacar das figuras adultas para descobrir quem se é. Para ele, a formação da identidade é iniciada no verdadeiro primeiro encontro entre a mãe e o bebê. Este verdadeiro encontro ocorre quando a mãe e o bebê se vêem como duas pessoas que podem tocar-se e, principalmente, reconhecerem um ao outro. Afinal, o toque existe desde a concepção do bebê, mas o reconhecimento de que há duas pessoas envolvidas, não. Embora este processo de formação da identidade tenha sido iniciado enquanto bebê, o momento crucial, seria a adolescência, pois a crise normativa existente neste período leva em consideração questões surgidas na infância sendo muito influente na identidade adulta. Em completude, Winnicott (1999), autor referência deste estudo, ao referir-se à adolescência explica que “...esse período da vida tem que ser vivido. É essencialmente um período de descoberta pessoal. Cada indivíduo está empenhado numa experiência vital, um problema de existência, e de estabelecimento de uma identidade” (p. 163). Para o autor, a principal característica do adolescente é a sua imaturidade: “a imaturidade é uma parte preciosa da adolescência” (Winnicott, 1975, p. 198). Essa imaturidade aparece tanto na oscilação entre ser e não ser dependente quanto na falta de compreensão do ambiente como um todo. A imaturidade também torna possível que muitas experiências e muitas criativas possam ser feitas, de forma que o autor, considera que essa possibilidade é algo que pode contribuir para o próprio desenvolvimento da sociedade: “Nela estão contidos os aspectos mais excitantes do pensamento criativo, sentimentos novos e diferentes, ideias de um novo viver. A sociedade precisa ser abalada pelas aspirações daqueles que não são responsáveis” (Winnicott, 1975, p. 198). Assim, os adolescentes estão, na verdade, se adaptando a um novo modo de estar no mundo, não só um novo corpo, em virtude das transformações biológicas, mas um novo modo de estabelecer relações, e precisam de provisões ambientais quanto às suas necessidades instintuais, relacionais, ideológicas, etc.

Em sua obra, o autor observou diversos aspectos que são importantes para o entendimento da adolescência. São eles: o desenvolvimento emocional do indivíduo, o papel dos pais; a família como um desenvolvimento natural, em função das necessidades da infância; o papel da escola e de outros grupamentos, visto como extensões da idéia familiar e como realce dos padrões familiares estabelecidos; o papel especial da família em sua relação com as necessidades dos adolescentes; a imaturidade do adolescente; a consecução gradativa da maturidade na vida do adolescente; a consecução, pelo indivíduo, de uma identificação com grupamentos sociais e com a sociedade, sem perda excessiva de espontaneidade pessoal; a estrutura da sociedade, sendo essa palavra utilizada como substantivo coletivo, sociedade composta de unidades individuais, maduras ou imaturas; as abstrações da política, da economia, da filosofia e da cultura, vistas como culminação de processos naturais de crescimento; o mundo como superposição de um bilhão de padrões individuais, um sobre os outros (Winnicott, 1975). Destacando um dos aspectos mencionados acima, as condições ambientais e familiares se apresentam como fundamentais na passagem por esta fase rumo à maturidade da vida adulta. A relação do adolescente com o mundo tem como base a confiança, que é fruto do amor dos pais a partir do nascimento e durante a infância. O ambiente desempenha, neste estágio, papel de imensa importância, a ponto de ser mais adequado, num relato descritivo, supor a continuidade da existência e do interesse do pai, da mãe, da família pelo adolescente. Muitas das dificuldades por que passam os adolescentes, e que muitas vezes requerem a intervenção de um profissional, derivam de más condições ambientais (Winnicott, 2005, p. 117). Mesmo assim, não há garantias de que o indivíduo será um adulto mais equilibrado ou não, pois a maturidade depende de como cada um significa a experiência dentro de si. Como explica o autor, a perfeição não é uma característica humana, mas das máquinas. Os humanos precisam adaptar-se às diversas configurações da vida que se apresentam e encontrar formas de amadurecer (Winnicott, 1975). Os pais e o ambiente devem manter o olhar sobre o jovem que outrora foi uma criança, e suportar, da melhor forma possível, os contratempos ocasionados pelo período conturbado que é a adolescência. Esse olhar para o adolescente deve incluir também uma melhor compreensão das intensas polaridades entre independência desafiadora aos pais, e dependência regressiva, podendo o adolescente experimentar as duas alternativas ao mesmo tempo (Winnicott, 1993).

A base para a vida em grupo é a vida em família, e sabemos o quanto é conveniente para o adolescente que o lar original continue a existir, de modo que ele possa rebelar-se contra o mesmo tanto quanto utilizá-lo, de modo que possam ser feitas experiências com grupos diferentes e mais amplos sem a perda do grupo original... (Winnicott, 2005, p. 173). O jovem vivencia uma grande necessidade de conquista de liberdade nesse período, bem como um sentimento de abandono pela ausência de controle dos pais que outrora experimentou. Dentro das relações familiares parece que muito é falado entre os membros, mas, na verdade, há pouca comunicação entre pais e filhos, o que termina por reforçar o sentimento de onipotência dos adolescentes que “sabem tudo” (Outeiral, 2001). Neste sentido, inicialmente o adolescente é um ser isolado, pois há a repetição da fase infantil, em que o bebê repudia o não EU, até que consiga estabelecer relações com o mundo exterior (Winnicott, 1999). Assim, fica explícito a importância da passagem do tempo para a solução da imaturidade do adolescente. Não é possível haver qualquer aceleração ou retardo em seu processo. “... Só há uma cura para a imaturidade, e esta é a passagem do tempo” (Winnicott, 1975, p.198). Aliada neste processo, Sanches (2005), destaca o papel fornecido por Winnicott para a escola na adolescência, como um facilitador do processo de amadurecimento. Segundo o autor, a escola é um lugar da diversidade e diferenças entre as crianças, nele, a criança amplia suas referências, antes apenas familiares, conhecendo e tendo acesso a formas e maneiras diferentes de ser daquelas da sua própria casa ou família. “Exatamente por isso, a escola é um ótimo campo para as crianças experimentarem suas relações. É muito comum que apareçam questões na escola que não surgem em casa, pois é lá que elas têm a possibilidade de experimentar (Sanches, 2005, p. 160).” Dessa forma, a escola é capaz do fornecimento, durante algumas horas diárias, de uma atmosfera emocional que não é a tão densamente carregada como a do lar. Isso propiciaria ao jovem uma pausa para o desenvolvimento pessoal. No caso dos adolescentes cujos lares podem ser considerados insatisfatórios, Winnicott (1975) aponta que a escola se torna um ambiente agradável, que acrescenta algo em suas vidas. Sobre esta teoria, declara: Frequentam-na (a escola) com a idéia de que a escola talvez lhes forneça o que o lar não logrou propiciar. Não vão à escola para aprender, mas para encontrar um lar fora do lar. Isso significa que procuram uma situação emocional, um grupo de que gradativamente possam fazer parte, um grupo que possa ser testado por sua capacidade para enfrentar a agressão e tolerar idéias agressivas (Winnicott, 1975, p. 234). Nota-se que a perspectiva winnicottiana coloca o ambiente como um fator de base e suporte para as relações humanas. Assim, como parte fundamental desse ambiente, seja na escola ou na família, os adultos devem sobreviver aos ataques dos adolescentes sendo maduros, mas aceitando o desafio, para que estes consigam entrar definitivamente na vida adulta, e não terminar por viver uma falsa maturidade (Winnicott, 1975). Para isso, é importante que se respeite a imaturidade do adolescente, o não quer dizer que os adultos devem permitir que os adolescentes façam o que bem entendam, e sim que regras continuam existindo. O adolescente saudável poderá, então, confrontar os pais, e estes (neste caso, objetos para os filhos) permanecerão existindo frente aos ataques defensivos onipotentes dos adolescentes. Aqueles que cuidam de adolescentes não raro veem-se perplexos com o fato de que esses meninos e meninas, por vezes tão rebeldes, podem também ser, ao mesmo tempo, dependentes a ponto de parecerem crianças e mesmo bebês, manifestando padrões de dependência que talvez remontem aos primeiros meses de vida (Winnicott, 2005, p. 123). Winnicott denominou esse aspecto do adolescer como as calmarias da adolescência, como um período para ensaio e erro, experimentações (Winnicott, 2005, p. 124). Declara que os adolescentes “veem-se obrigados a transpor uma espécie de zona de calmarias, uma fase em que se sentem fúteis e ainda não se encontraram. Nosso papel, em tudo isso, é o de expectadores” (Winnicott, 2005, p. 122). Outeiral (2001), em capítulo de livro sobre a obra de Winnicott, ressalta que ao longo desse processo o adolescente saudável “deve desenvolver a construção, a reparação e a restituição como elementos fundamentais na busca para a saúde como uma realização do self... (p. 343).” Quando os adolescentes passam a ser responsáveis antes do tempo, por algum motivo extrínseco a eles, como a morte de um genitor, ou quando devem assumir uma incumbência ocupacional que caberia a um adulto, “...há perda de toda a atividade, e dos esforços imaginativos da imaturidade.” (Winnicott, 1975. p. 197). Isto leva a pensar que o olhar para os adolescentes deve levar em consideração o fato de que muitos deles subitamente podem ter que amadurecer para lidar com questões importantes da vida que os atingem inesperadamente, como a notícia e a convivência com a doença crônica que Psicologia.pt ISSN 1646-6977 Documento publicado em 29.10.2017 Renato Caio Silva Santos, Lucas Matheus Grizotto Custódio, Murilo Barberini Dias 10 Siga-nos em facebook.com/psicologia.pt parecem obrigar o adolescente a deixar de lado as possibilidades inerentes à etapa em que vivem, e fazer com que abandonem os esforços imaginativos inerentes à imaturidade. O amor e os relacionamentos amorosos Quase que por excelência, baseado no incessante culto à beleza e à potência, a imagem que caracterizaria a sociedade pós-moderna seria a do jovem saudável que está apenas iniciando as conquistas pessoais Entretanto, habitar um corpo em transformação e experimentar uma nova configuração mental, é uma experiência solitária e passiva que interfere significativamente na relação do sujeito com o mundo. Nesse âmbito, o adolescente enfrenta os desafios de conviver com um soma ainda desconhecido ao mesmo tempo em que deve apresentá-lo ao outro. Na medida em que há a aproximação da intimidade, surgem os desafios de uma relação a dois. Como explica Hime (2001), a passagem para o mundo adulto só se mostra completa quando o sujeito se sente seguro, autônomo, sem depender de um grupo para se auto afirmar. Esse fenômeno, segundo a autora, completa-se com o surgimento do amor estável. O verdadeiro enamoramento marcaria assim, a saída da adolescência e a entrada na vida adulta. Na visão de Erikson (1971) o amor adolescente se caracteriza pela ausência de uma relação madura e adulta entre iguais, sendo que o sujeito se define a partir do outro, ou seja, há intensa projeção no objeto: “... em grande parte, o amor adolescente é uma tentativa de chegar a uma definição de identidade projetando a própria imagem difusa do ego em outra pessoa, para, assim, vê-la refletida e gradualmente definida...” (p. 241). Entretanto, o envolvimento em relações amorosas é um ponto central na vida dos adolescentes. Sejam reais ou fantasiosas, essas relações são as causas mais comuns dos ápices emotivos nesta fase. Para os autores, as experiências românticas influenciam o desenvolvimento do ‘self’ e da identidade de duas maneiras. Primeiramente, por meio destas, o jovem seria capaz de desenvolver percepções distintas de si mesmo; do mesmo modo que desenvolve nas relações de pares e de grupos. De forma que ao manter experiências positivas, o adolescente teria uma visão de si mesmo como uma pessoa atraente, capaz de ser amada e amar; ao modo que aqueles que se encontram em relações desajustadas teriam menos confiança na própria habilidade de satisfazer o parceiro e de manter relações bem-sucedidas. Conseqüentemente, esse conceito influenciaria diretamente a construção da auto-estima, de forma que se irradiaria para outras áreas da vida do sujeito (Furman & Shaffer, 2009). Santos (2011) explica que é a partir dos relacionamentos na adolescência, principalmente nos amorosos, que o jovem vivencia e internaliza as regras de gênero e dos chamados scripts sexuais, ou seja, os comportamentos que são socialmente aceitos e valorizados como diferenciais entre os gêneros masculino e feminino. Para o autor, uma demonstração clara da internalização desses scripts é a diferença do comportamento amoroso e sexual estabelecido entre os gêneros. Enquanto discursos e atos femininos centram-se na contextualização afetivo - romântica, os discursos masculinos enfocam a capacidade técnica corporal para o desempenho do ato sexual. No caso dos homens, muitas vezes, a sexualidade aparece despida de expectativas românticas; sendo parte exclusiva da corporeidade. Destaca-se que, muitas vezes, este padrão de comportamento é vivido não só para se tornar mais atrativo aos membros do sexo aposto, mas sim, para ser aceito em um grupo, ou admirado por seus pares. Para a psicanálise, a identidade do sujeito é psicossexual e tem seu início no nascimento. Porém, seu desenvolvimento é lento e gradual. Pereira (2005) aponta que é comum, entre os pré-adolescentes, ver grupos de meninos e meninas bastante isolados uns dos outros, de maneira que são comuns os ‘clubes do bolinha’ e os ‘clubes da luluzinha’. Nesta fase, há uma cautela em relação ao sexo oposto que funciona como uma possível barreira que previne relações heterossexuais antes do tempo, e que possam produzir ansiedades no sujeito. Seria assim na adolescência que a estrutura definitiva da identidade sexual do sujeito se firma. Nessa etapa, ao mesmo tempo em que o complexo de Édipo é revivido com intensidade, são somadas as características da puberdade, o que torna as fantasias sexuais possíveis. O sujeito se vê impelido a descobrir que não é só, e que precisa do outro para viver uma sexualidade adulta plena (Outeiral, 1994). Neste momento, o modelo parental estabelecido no Édipo não é mais o único, ele dá origem a uma série, e o adolescente passa a se arriscar “mundo a fora” em busca de amor e satisfação para além da família. A renúncia da figura parental e da satisfação própria, vivida no Complexo de Édipo poderá ser compensada por outro objeto, agora não interditado pela proibição do incesto. Portanto, deve-se levar em conta que o adolescente vai ao mesmo tempo poder amar alguém que não faz parte de sua família, mas que deva apresentar características que o aproximem dela. Furman e Shaffer (2009) ressaltam que a complicação da escolha de um objeto amoroso, ocorre com base no fato que este objeto, esta pessoa que será escolhida para se envolver, ao mesmo tempo está livre da proibição do incesto, mas deve possuir semelhanças com a figura parental proibida. Entretanto, nos adolescentes há resquícios dessa etapa anterior, ou seja, um predomínio de aspectos lúdicos e superficiais nas relações amorosas. Porém, a cautela diminui, e o interesse pelo outro aumenta. Com o tempo, passam a preferir lugares onde possam ter contato com possíveis parceiros amorosos, freqüentando grupos de caráter sexual misto, onde há o início do ficar, modo que vivenciam experiências amorosas, concomitantemente em que se isentam de relacionamentos de maior intimidade psíquica e física. (Shulman & Scharf, 2000; Pereira, 2005). Nos discursos dos jovens, o ficar configura-se, de certa forma, como uma interação afetiva e sexual onde se pode lidar com as demandas referentes às relações de namoro, consideradas mais rígidas. Neste sentido, o ficar aparece como uma forma alternativa ao namorar, cujos aspectos mais enfatizados por rapazes e moças, dizem respeito ao relaxamento dos acordos mais complexos, pertinentes às relações estáveis. Neste caso, a obrigação da fidelidade é uma das dificuldades que o ficar minimiza, proporcionando uma maior flexibilidade das trocas afetivas. Ficar é uma experiência de estar com o outro, trocar carícias, intimidades, descobertas e sensações sobre o corpo e sobre si mesmo. Rolam beijos, abraços, e, eventualmente, pode-se chegar a uma transa. Os limites do ficar são determinados pelo próprio casal. Em geral inclui afetividade, porém não há um compromisso de continuidade ou exclusividade, mas o ficar poderá se transformar em namoro. (Fundação Roberto Marinho, 2001, p. 150) Contudo, Castro, Abramovay e Silva (2004), a partir de pesquisa realizada com grupos focais de adolescentes estudantes de escolas estaduais na cidade de São Paulo, demonstram ainda que o ficar deve ser considerado como uma novidade dos tempos modernos, pois comporta a existência de conflitos advindos da permanência de valores relacionados a gênero em sua dinâmica interativa. Na medida em que para os rapazes, a possibilidade da variação de parceiras para ficar recebe um valor positivo, reeditando os princípios e respaldando o sistema de valores sociais e morais que dignificam a masculinidade, para as garotas, o ficar pode estabelecer limites, já que, uma variedade grande de parceiros resulta numa atribuição de valor negativo. Seguindo a seqüência apresentada pela teoria psicanalítica, para que ocorra o desenvolvimento completo da identidade do sujeito, é necessário que este se avalie como capaz de ter relações sexuais, encontrando um equilíbrio entre as ligações afetivas indispensáveis e as excitações características dessa etapa da vida. Nessa concepção a atividade sexual dos adolescentes pode ter início a partir de uma busca por intimidade, ou umas vivências de novas experiências, bem como uma solução para descarregar a energia sexual, entre outros. Furman e Shaffer (2009) levantam em seu estudo, uma transformação relevante decorrente dos primeiros relacionamentos amorosos dos adolescentes: as mudanças nos relacionamentos familiares. No artigo dos autores, é defendido que estes relacionamentos são fontes de inúmeras formações emocionais tanto conscientes, como inconscientes que interferem no relacionamento familiar e na aceitação do relacionamento mantido. De modo mais simples, e consciente, adolescentes que se encontram enamorados passam muito mais tempo com seus parceiros do que com os membros da família, ao contrário de adolescentes que se encontram solteiros. Essa diferença de comportamento, pode ser fonte comum de conflitos e estresse, já que não é raro ocorrerem discordâncias quanto à não aceitação de um parceiro, às atividades sociais que o jovem passa a se dedicar e ao inicio da atividade sexual, quando esta ocorre. O aspecto inconsciente seria facilmente detectado nos pais quando estes costumam ter sentimentos ambíguos quanto aos relacionamentos mantidos pelos filhos. Por exemplo, é comum os pais se sentirem felizes pelo crescimento dos filhos e pela possível formação de uma família por estes, marcando seu crescimento e amadurecimento, ao mesmo tempo em que se sentem insatisfeitos pela perda do vinculo exclusivo, que passa a ser compartilhado com outro, no caso, o parceiro amoroso; e pelo possível risco que esse compartilhamento pode causar ao então intacto núcleo familiar. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Concluindo, por meio das teorias e dos trabalhos apresentados, nota-se que o adolescente, tanto em seu desenvolvimento como no envolvimento amoroso, tem que trilhar um caminho de crescimento que inclui enxergar o mundo com seus próprios olhos, estando diretamente influenciado pelo relacionamento parental e com seus pares. Em face do desenvolvimento apresentado, considera-se que este pode sofrer diversas influências ocorridas por alterações ambientais e/ou biológicas, impossíveis de serem controladas ou previstas. Assim, é preciso pensar numa adolescência que comporta as diferentes singularidades dos sujeitos que a compõem, e nas formas de relações mantidas por estes. Contudo, por mais que os relacionamentos amorosos na adolescência sejam de fundamental importância na construção do Eu, ainda carecem de estudos dessas relações. Ao mesmo tempo em que muito é estudado e debatido acerca da vivencia da sexualidade nos adolescentes, principalmente após o inicio da epidemia da AIDS nos anos 1980, pouco se produz sobre o amor, sobre as concepções de amor e sobre os relacionamentos amorosos nesta idade. Multiplicam-se os locais em que os jovens podem falar e tirar duvidas sobre sexualidade, porém, faltam as escutas sobre os relacionamentos, principalmente, aqueles regidos pelo amor. Por meio da criação desses, a adolescência abarcaria plenamente aquilo que é típico dela, o desenvolvimento e a aprendizagem, e os jovens seriam capazes de partilhar suas emoções, falar de sonhos e amor.

Autores:

Renato Caio Silva Santos Professor de Psicologia – Universidade Metodista de São Paulo, Brasil Mestre em Ciências e Saúde Pública – FSP USP, Brasil Especialista em Neuropsicologia – Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, Brasil Especialista em Sexualidade Humana - Faculdade de Medicina da USP, Brasil Aprimoramento em Psicologia Hospitalar – Instituto de Infectologia Emílio Ribas, Brasil

Lucas Matheus Grizotto Custódio Psicólogo – FMU-SP, Brasil

Murilo Barberini Dias Graduando em Psicologia – Universidade Metodista de São Paulo, Brasil